Até hoje

Até hoje
Disse as coisas que estavam aí
Disse as coisas que era preciso dizer
De fome de dor e necessidades
Falei de amor -e- surpresa! Ainda falo
Raramente sou acreditado
Também uso as palavras que estão aí
Umas ou outras falando o óbvio
O trivial que mesmo quando absurdo
É conhecido de toda a gente
E toda a gente fala
Com essas palavras aí
Você não dá valor ao que digo
E o que você diz também não vale nada
As palavras dos homens são cédulas gastas
Dinheiro inflacionado de nação falida
Nada em seu repertório tem qualquer consistência
Tudo uma falseta semântica
Uma pilantragem

Mas um dia eu vou falar
Eu vou falar com meu próprio sangue
Vou falar com a minha carne
Vou falar com as minhas visceras
Vou falar num ricto agudo
Como uma cantora numa opereta
Vou falar espatifando vermelhos
Vou falar escorchando pele
Vou falar com um silêncio de morte
Vou falar com um petardo de chumbo
Vou falar com ácidos ou barbituricos
Vou falar uma frase- monolito
E ela vai ecoar sem resposta
Mas responderá à tamanhas perguntas

Você nunca me conheceu
E agora serei o resto de uma idéia
Que mesmo que não saia da sua mente febril
Não será eu nem você
Será menos que um sopro
Suas lembranças são um simulacro do hipocampo
Um espasmo de neurônios cansados
Que valor isso tem? Nenhum!
Que valor eu tinha?

O diálogo fracassou
Mas quando eu falar
Mudarei alguns monólogos
Calarei algumas bocas
Ou não
Que importa?
Minha passagem pelo mundo
Ficou nos gestos e eles se foram
Ficou nas pinturas e elas se foram
Ficou nas conquistas e elas desmoronaram
E em você não ficaram.
O diálogo fracassou
Sinto que morri antes de nascer
Sinto que vivi na bolha de plástico das palavras hipócritas
E dar o meu gesto de nada adiantou.
Miserere Nobis
Vazio
Miserere Nobis
Pensamento
Miserere Nobis
Amor
Farsa indevassável...
Tende piedade de mim!


Claudinei Soares

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