Vassoura de ramo

Vassoura de ramo
Da minha mãe
Pequenas coivaras fumegando
Varrendo folhas e pedrinhas
Deixando liso e bonito
Ágil e firme
Minha mãe dança com a vassoura
É manhãzinha, olha o tico-tico
Tico-ticando na poeira
Piando "vem" pra algum companheiro
Olha ali o passarim
Tem cor de terra, é o caga-sebo
Passarim ordinário,
Ali a corruíra
Com seu canto de lixa
E tem beija-flor
Tem coleirinha
Manacá na pirambeira
Ouço cantando outros bichos
Faz frio
Tem passarinho pouco
Coivarinhas fumarentas
Eu ponho gravetos no fogo
Longe lá, a vista alcança
O castelo do Major.
É castelo mesmo
Com ameias denteadas e tudo
Passa o avião do dono
Vez por outra aqui por cima
Desce lá, já vi descer.
As torres levando os cabos
De luz pesados nos ombros
E no fundo da grota tem
Um fio de rio canoro.
Mãe varre o terreiro
Me deu café com bolo de panela
Aquele que faz na panela
Põe dentro dela a massa
Enterra a panela no borralho
A mãe sempre diz que não deu certo
Eu gosto porque é mei grudento
Com café
Leite de pó se tem
Vez por outra tem
Mais das vezes tem não
Mas bom também
Eu e ela
Terreirão vasto
Vem o vento ali
Traz cheiro de chuva
Chuva... Evem.
Faz uma bulha no vale
Folhagem toda cantando
Esse louvor das plantas
Pra chuva que vem chegando
Mãe para a varrição
Apoia as mãos duras no cabo
Seus olhos de jabuticaba
Olham o horizonte largo
Fareja o vento, minha mãe
Pega no ar as notícias
Lá longe um mundo com prédios
Com escritórios e leis
Que diz que a gente não é gente
Nem sei quem são esses homens
Vão nos tirar o sustento
Tem uma guerra no Oriente
Tem uma guerra além-mar
Além da guerra por pão
Pai lavra a terra distante
No contraforte do morro
E eu existo às vezes
Espectador até de mim.
Mãe fareja o vento
Que lhe cicia os cabelos
Cabelos negros de crina
Mãe sabe que vem tragédia
Mas ela só me aponta
O abrigo deste telheiro
Senta ao meu lado e espera
A chuva fina cair
Vento remoinha a poeira
Antes dela virar barro
Homem não é carne, é matéria
Diz minha mãe, que vê tudo
Lá fora um raio corisca
A concordância de Deus.
Já nessa idade não sei
Abraçar quando estou triste
Olho a mãe devotado
Meu coração está cheio
Entro na casa, me cubro
E com o calafrio da chuva
Que surra agora o telhado
Eu vou chorar escondido.

Claudinei Soares

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