Você devia chorar

Arte Flachova Tereza
Você devia chorar.
Chorar mares, rios e poços
Cônscio de ser por algum tempo a carne
À revestir imperecíveis ossos
Cidades sobre outras cidades velhas
Roupas na pele- na face a tinta engana
A humana raça finge que é humana:
Acertos nunca teus - e erros nossos.

Você devia chorar-devia
Enquanto acende outro cigarro, enquanto
A luz do sol na fresta diz que é dia
E o buzinaço brinca de acalanto
Secando mais o manancial do pranto
Lenha de escárnio ardendo a picardia
Quem faz o lucro mais que a carestia?
Quem faz escravos mais que o desencanto?

Você devia chorar este fato
De ter marcadas já a mão e a testa
E ao protestar talvez pensar no exato
Pois que com fome hoje não se protesta
E alijar-se então de toda a festa
E do concreto, e se esconder no mato
E na poça de lama ao fim da sêde
Contemplar o seu último retrato

Você devia chorar às carreiras
Cortando areias - de Azazel o bode
Ardendo os pés de fuga e de repúdio
Feito Cain quando chegava à Node...
Você devia chorar catadupas
De um céu surrado de apanhar que explode
Você devia chorar, sim, devia!
Você devia: mas você NÃO PODE.


Claudinei Soares

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