Se quero dizer algo?

Se quero dizer algo? Eu, não.
O mundo parece indiferente, mas esse é seu modo de te espreitar.
Ele não te dá dicas, ele não ri teus risos
O mundo não aplaude.
Mas remói rancores
Ocupado numa coffee shop
Lendo seus jornais vazios
Num silêncio que é o anti-rugir de tímpanos
Seu coração podre bate
Por trás de óculos de grife
Por trás de luvas de pelica
Por trás de sapatos de esmalte
E perfumes amadeirados
O maldito ainda bate
No ritmo da bossa nova
Da world music empana-classe-média
A voz esnobe da cantora adestrada
Cantando basófias para mesas fartas
Atrás de cabelos bem arrumados
E sorrisos branquicelos
O maldito podre bate
Bate com ritmo, bate
Bate e torce pela sua queda.

Eu? Dizer algo? Não.
Sentei-me uma tarde dessas, olhando pro céu
Achei que vi uma estrela.
Achei que era. Talvez fosse. Hoje acho que não
Acho que eram seus olhos
Numa janelinha estreita
Olhando por sobre as asas
De lata dum pássaro quimérico.
Me viu de lá. Me viu dali. Sei lá
Me viu desse mesmo modo
Como coisa outra, nuvem dúbia
Papagaio em morro, quiçá.
Brilhamos ambos uma última vez
Vai ver foi isso. Alma se despede também, sabe?

Não que o mundo ligue
Não que o mundo goste.

E eu quieto. E tome lições.
E eu quieto. E tome rasteiras.
E eu quieto. E tome-lhe pedradas
E eu calado. Dizer o quê? Dizer nada. Verdade é coisa nossa.
Uma brasa morrente numa noite gélida. Farol em mar revolto? Duvido.
Fósforo aceso, isso sim.
Digo nada não. O mundo quer fatos. Fatos não tenho.
Coisa certa: fosse tudo como quer o mundo...

Beleza nenhuma pode haver sem alma.
Rosa é só coisa sem alma: Com alma é uma poesia...
O mundo abomina a alma. Ama e odeia. Persegue. Pega nas mãos cuidadoso
Cuidadoso ele sendo... Esmaga!
Sei lá. É uma coisa feita
Inescapável parece.
Preponderância fatídica
Fragilidade danada.
Dizer algo, eu? Nem pensar.
Contemplo só. Tudo ao longe
Os beijos idos e as juras
Mais perto agora, nos fojos
A sombra dos meus inimigos.
Dizer algo... Que dizer?
Que diz o vento pras águas
Pras pedras, que as ondas dizem?
Milh'alma tem dito tudo.
E de alma o mundo não entende.
 

Claudinei Soares

Postar um comentário

0 Comentários