Metamorfose

Que queres que eu faça, Fernando?
As pessoas caminham na praça como se nada
lhes tivesse acontecido
Carregam seus sorrisos quebrados
suas caras moles
sua letargia e você
as quer afastadas
longe

Arrastam seus chinelos v.a.g.a.r.o.s.a.m.e.n.t.e
em sua direção a despeito do teu asco
do teu nojo
da tua falta de ar

Gritas AQUI NÃO com o peito cheio e o rosto cabisbaixo
mas a praça é pública, Fernando

Que queres que eu faça?
Que os retire? Que os avise? Que os alerte?
De quê?
Para quê?
O que esperas que eles digam?
Quer que eles larguem seus chinelos
sua letargia
e sua cara abobalhada?
O que espera deles
e do trem e do ônibus e das estrelas?
Como espera?
Como pode esperar?

Debaixo do sol forte você ri
(Logo choverá)
Já é hora de voltar, mas você fica
Enterrado como adubo, como grama
no concreto
De você nascem folhas imensas, dessas tropicais
seus pés bem plantados sentem o gosto do minério da terra
Sua cabeça desabrocha e você
já não lembra das caras moles
e você já não quer mais
e você já não espera mais
nem nunca mais volta

Fernando Borsato

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