A Corrente Macabra

Arte Darksouls1
- Oh, Simone! Se quer carona desce já que eu preciso sair!
- Estou descendo, mãe!
Claudenice estava na cozinha quando ouviu o barulho de Simone quicando na escada. Saiu correndo feito um trem bala e, quando chegou à sala, ficou apavorada ao ver a filha servindo de tapete ao chão.
- Mas Simone, menina, o que é que há com você? Fale comigo! Gritava a mãe com medo de a filha estar inconsciente.
Simone, meio atordoada, levantou-se toda torta e mancou até o sofá. Sentia dores na alma e fazia mea culpa o acontecido. Afinal, não teria custado nada encaminhar aquela mensagem que havia recebido há poucos minutos. Avisavam nela de que uma sucessão de coisas ruins aconteceria se ela não o fizesse.
Recuperou-se da dor e, ao acalmar-se, seu sexto sentido a abrilhantou com uma grandiosa ideia: encaminhar a tal mensagem.
Subiu rastejando as escadas e a mãe, boquiaberta, segurava a cabeça entres as mãos como que para não perde-la ao ver a negligência da adolescente.
Nunca havia tido muito pulso com Simone, afinal! Foi mãe tardiamente e mimou demais a cria. Depois que Oswaldo a deixou no mundo grávida e sem nada por causa de Rosário - aquela vadia - prometeu que nunca deixaria faltar nada àquela criança. Dobrou o tempo de produção de seu artesanato e virou babá informal até o dia em que estourou sua bolsa. Era boa de contas e economias, além do que, contou com a ajuda dos vizinhos que, de tanto a ver lutar contra o destino, resolveram ajudar com enxoval, fraldas e cestas básicas. Até o aluguel do barraco no centro de São Paulo foi pago não se sabe por quem e nem por que; desconfia-se, mas é melhor não saber. Alguns manos não gostam de aparecer.
Simone tinha dois meses quando Claudenice levantou-se e foi procurar emprego enquanto a filha ficava com a vizinha. Conseguiu um registro, progrediu, criou Simone com amor e mimo demais. Saiu da favela antes de a filha poder lembrar-se de como era aquela vida. Hoje, como empresária no ramo de artesanato, nem acredita nas dificuldades que passou, ainda mais quando Oswaldo reapareceu doente há um ano. Cuidou dele contrariando a filha até que a morte a livrasse em três meses daquele traste.

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Simone chegou ao computador e, ao sentar-se, bateu com força o cotovelo no móvel. Praguejou, chorou de raiva e pôs-se a procurar a mensagem para encaminhá-la a treze amigos, incluindo a pessoa que lhe enviou.
Com lágrimas nos olhos e tremedeira pelo corpo, Simone não encontrava a mensagem. Digitou palavras-chave como zica, azar, praga, encaminhar e MORTE no campo de busca da caixa de e-mail e nada da mensagem aparecer até ver que, em letras miúdas e quase apagadas que mal conseguia enxergar, havia um aviso de que a mensagem poderia estar na lixeira. Achou! Nem leu e foi logo encaminhando, escolhendo os contatos com o critério “os que não vão rir de mim porque são babacas”.
Sua consciência estava mais leve, já havia um ar de que nada a aconteceria e desceu sem nenhum tropeço, até que chegou á cozinha e enganchou o dedinho do pé na cadeira. Foi tamanha a brutalidade que a unha de Simone pulou da carne. Era muito sangue e desespero! Xodó latia sem entender nada e Claudenice só foi ação ao amarrar um pano no pé da filha e leva-la ao hospital. O atendimento foi rápido. Nada grave; apenas cuidados especiais para a área sensível.
Ao entrar no carro, Simone jurava ter visto pontos escuros ao seu redor e começou a sentir calafrios de medo. Tonturas e náuseas tomavam conta da atmosfera e tudo isso aumentou quando a porta do carro se fechou sobre os seus dedos da mão direita ainda em frente ao hospital.
Gritando de dor, mais uma vez foi socorrida. Uma fratura do anelar e a unha quebrada. Um horror! Horas depois, foi liberada e conduzida até o carro por um enfermeiro sisudo, de pele acinzentada e olhos esbugalhados. Era de manhã. Deveria ter virado o plantão.
Chegando em casa Simone pediu à sua mãe, que perdia um dia de trabalho na empresa por causa do azar dela, para que a ajudasse a chegar a seu quarto.
Xodó estranhou o curativo do pé da dona e, quando ela levantou-se com a ajuda de Claudenice, ele não pensou duas vezes ao ataca-lo! Foi um pandemônio... Mas ele foi apartado antes de machucar Simone. Ainda bem que é um vira-lata pequeno!
A garota lanchou no conforto de sua cama e, não entendendo o motivo de tanta desgraça mesmo depois de encaminhar a mensagem maldita, resolveu ler as entrelinhas. Tudo se explicou. Se a mensagem não fosse encaminhada IMEDIATAMENTE, não haveria meios de reverter a “macumbaria” mesmo se fizesse isso depois e, agora o que lhe restava era esperar a morte. Contou a história toda a mãe, aos prantos. Claudenice só não riu da filha, porque se preocupava sobre o que havia causado tantos acidentes a ela.

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Simone questionava-se e culpava-se por tudo aquilo. Bem ela, que nunca havia acreditado em superstições e mandingas! Era tão inteligente e culta que jamais poderia ter dado importância àquela baboseira. Pensou em pais de santo, padres, rabinos e pastores, mas sua mãe pensava por outro lado. Pelo lado de quem não pensa tanto quanto faz.
Cleonice resolveu ligar para um amigo que se formou em medicina. Ele era clínico geral e gostava de estudar o mundo exotérico. Marcaram então uma consulta informal para o dia seguinte, na casa delas.
Albino chegou para o café da tarde. Conversaram e, durante o café, fez perguntas à Simone, que as respondia com voz fraca, dizia-se ansiosa para voltar para o quarto, pois estava com uma dor de cabeça intermitente e retumbante. O doutor Albino pediu paciência e, já desconfiado, tomou o queixo da garota entre o polegar e o indicador e olhou profundamente nos seus olhos. Perguntou sobre a frequência das náuseas e a dor de cabeça. Tonturas, esbarrões e pontos escuros. Recomendou doutor Manfredo e fez o mapa astral das duas.
Simone subiu, sua mãe foi convidada para jantar e aceitou.

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Doutor Manfredo era um médico disputado e sua agenda era deveras lotada. Ele fazia parte das mesmas reuniões exotéricas que Albino.
Simone e Cleonice esperaram por vinte e um dias. Simone na cama, afastada da escola, Cleonice trabalhando e jantando com Albino sempre que podia, afinal a filha estava sempre cercada de amigos que a ajudavam tentar esquecer a maldição, inclusive a amiga que havia enviado a mensagem.
O dia da consulta chegou e doutor Manfredo finalmente daria seu diagnóstico. Avaliou o mapa astral de Simone e pediu para que ela lesse letras estranhas na parede.
Tinha dificuldades para enxerga-las e, quanto mais ela se esforçava, mais a sua cabeça dava sinais de que explodiria e seus olhos de que sairiam das órbitas.
Doutor Manfredo, com o mapa astral de Simone nas mãos, o diploma de oftalmologista enquadrado na parede e o sorriso do conhecimento nos lábios concluiu: Simone tende a ser dramática pela posição da lua no horário de seu nascimento e suas vistas necessitavam de óculos – astigmatismo e hipermetropia.

Fim!

Fê Effen
09/12/2013

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