Jovem idealista


Eu era um jovem dos mais idealistas. Verdade! E não consigo me desvencilhar desses ideais que moram no fundo do meu ser - são minhas raízes. Cresci num país eivado pela corrupção, fui aluno de escola pública em um tempo que não havia transporte, nem livro didático suficiente, às vezes nem merenda. Encharcado do discurso oleoso dos partidos e candidatos célebres do meu tempo, que não tiveram ainda a decência nem de se aposentar nem de morrer. Houve festa no Itamaraty com caviar para comemorar a data em que muitos pobres começaram à ter a chance de comer frango... ou colocar uma dentadura. Numa matéria de revista chique chamada "FHC passa o chapéu" as doações e os doadores apareciam despudoradamente. Vi os vergalhões da Odebrecht fazerem a medula do Brasil. E a Camargo Correa engessar a cara de pelego da nação.


Ouvi discursos inflamados, mas nenhum deles falava dos Boeings 747 de crianças mortas que poderíamos encher mensalmente neste país há menos de trinta anos. Nem do preconceito, nem da pobreza. Isto sempre foi taxado como discurso populista ou demagógico.

Eu era um jovem idealista.

Sempre me perguntei o que votavam vereadores, senadores e deputados, se tanto discutiam e nada mudava.

Vi presidente ascender do nada impulsionado pela globo... e cair empurrado pela mesma globo.

Vi um plebiscito que poderia nos ter devolvido à monarquia, e ainda hoje me pergunto: E se?

Silvio Santos quase se tornou presidente- Ma Oeeeeeeeeee!

Ouço as palavras improbidade, propina, tráfico de influência, suborno, roubo, ilhas Caiman, Ilhas Virgens, Suíça, antes mesmo de saber falar de amor ou de justiça.

Quando ouço a palavra justiça, vem sempre acompanhada de algum sinônimo de "arregou" ou "pegou o boi-de-piranha".

A televisão mentindo. Mentindo e mentindo. Numa reportagem para o Globo Reporter no Nordeste, finalmente um repórter desaba e chora, chora em cadeia nacional diante de um menino que brinca com ossinhos enquanto morre lentamente de fome.

Depois mais um enlatado americano.

Aí veio o Boom de commodities, sabe o que é? E um band aid foi colocado nas "veias abertas da América Latina". Os ricos se locupletaram e os pobres ousaram sonhar... Até a bolha estourar. Pop!

Agora vejo a cara da nação. Uma nação hipócrita, servil do capital internacional, cadela dos especuladores e manipulada pela classe mais infecta de seres humanos, gente sedenta de privilégios que parece ter saído ontem de um quadro do Brasil colônia, gente que quer pôr ordem na fazenda. E isso aqui é mesmo uma fazenda.

O Brasil adora uma mentira. Casamento de aparência, família reunida, religião aos domingos, empregados uniformizados para esculachar. O Brasil gosta de dólar estrangeiro, de mulata seminua e de moralidade.

O Brasil aposta no corrupto certo, o Brasil é isso. Nossa beleza, nossa feiura, vem tudo daí. O Brasil é uma moradia provisória de uma nobreza degredada que ainda não percebeu que não vai voltar para a Europa porque está ultrapassada, não tem boas maneiras nem pedigree. O Brasil é isso. E para falar a verdade estou feliz em saber.

O Brasil é um país onde a moral se ostenta, porque vale tão pouco à ponto de não se saber a diferença entre mera falseta e verdadeira decência. O Brasil é o país onde político pode contar com a estupidez geral à seu favor. Onde roubo virou bobagem, e mentira um meio de vida. Onde artista é vagabundo, e onde estudar demais faz mal.

A fratura está exposta e o Brasil gargalha.

Mentir é fácil demais.

Esta é a conclusão a que cheguei até agora. Construir um país do jeito que fazemos o nosso é infantilmente simples, porque mentir é fácil demais.

Claudinei Soares

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