LUDO E LUDO

Arte Judi C Bell
Você talvez rirá se eu contar-te agora
Mas agora contar-te eu irei mesmo assim
Deixando a úmida noite saber algo à aurora
Porque o pranto aflora e isso faz bem à mim
À mim, que tantas vezes fiz chorar pessoas
Que fiz à rosa amada o espinho profanar
Que enfrento a solidão de guarda-chuva em punho
Junto de seis amigos na mesa de um bar
Conto que fui criança e que amei em sonhos
Que fiz versos risonhos e pulei folia
Que amei amores torpes e ódios sublimes
Mas minha alma não envelheceu um só dia
Atrás destes meus olhos mora o mesmo medo
E a mesma coragem que me falta ou sobra
Canhões ou operários - pouco importa o muro
Erguer ou derrubar - vão completando a obra
E a cada pulsar meu coração diz um nome
E sei - você riria se eu lhe dissesse
Que o aguilhão do demônio a lhe verter desprezo
É a única face de Deus que ele conhece.

Agora eu te conto estando indefeso
Das guerras que travei sonhando tola paz
Do sonho que ergui vergado sob o peso
Supremo da quimera de amar demais
E ao fim fui derrotado em minha arrogância
E agora na distância moro com o vazio
Monstro de escuridão beijando a rutilância
Marmórea de um anjo desalmado e frio
Nestas esquinas vejo o mundo que deixei
E o mundo que me resta onde minha alma chora
Contando destas coisas que te causam riso
Dando à saber a noite o bouquet da aurora
Surreal minha vida lasciva me toca
A face infantil na mais total orgia
Comigo à beira-mar jogando Ludo e Ludo
E a vaga temporal vem devastando tudo

E eu canto para chorar as lágrimas de hoje
Maturadas no mais recôndito passado
Vivendo para ver até onde vão meus passos
Contando para não morrer sem ter contado

Espero que te rias até vir o pranto
Decerto esta miséria é minha e também tua
Desamparada a noite chora sobre os carros
Um céu chorando estrelas por falta da lua
Do corte em meu lado verto estas parelhas
Equestres de palavras num préstito insano
E se o amor que trago não me faz divino
O ódio que dispenso não me faz humano
A morte me beijou - me fez loquaz-quem sabe
Talvez a tempestade tenha serenado
E o beijo que mais lamentei ter recebido
Tenha sido o único sincero e apaixonado.


Claudinei Soares

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