Somos poetas

Estou comendo hoje
Biscoitos do ano retrasado.
Melhor que remoer idéias
Melhor que pensar pela cabeça alheia
O café está com o sabor da amargura
E a consistência de Bardahl Prolonga.
Vai dar um boost nas aspirinas
E afastar essa dor de cabeça
Come caramba
Faça justiça ao Brasil
Tem gente sem comer
Há menos de cem passos daqui.

Não tenho vontade de nada
De me matar tenho preguiça
E vou acumulando pecados
Como me permite a vaidade
Sem fumar e sem beber
Longe das drogas ilícitas
Lendo Proust Kafka e Proudon
Não sou um modelo rapaz
Sou um rebotalho covarde

Bêbado eu talvez confessasse
Chapado eu talvez me abrisse
Morro de medo cara
De falar desses tesões inoportunos
Dessas vontades de morrer
De matar
De dar e comer
Imagina os cidadãos respeitáveis
Com seus sacos escrotais fúngicos respeitáveis
Com seus rabos respeitáveis
E as cidadãs respeitáveis
Com suas tetas recauchutadas é suas vulvas repolhudas respeitáveis
Imagina se soubessem o quão pior
Sou que as suas ilações
Rapaz
Eu sou podrão

Lavo as mãos por decreto
Sou educado por ócio
Escovar os dentes é chato
Mas faço por cobardia
Por desrespeito ao meu fedor interior
Às moscas volantes que acicatam o interior dos meus olhos
E me fazem estapear o nada feito esquizofrênico
Não sou seu amigo de fé
Seu irmão camarada
Sou a porra do cunhado chato
Sou o bêbado gentil
O mendigo incomodando
O salário comido pelas contas
A reza mecânica de domingo às nove
A foda sem gosto de quinta às dez.

Sou o poeta do século dos baitolas
Enrustidos falando grosso e arrotando ameaças
Usando Mein Kampf como consolo
Nos briocos raspados com gilete cega
Século dos comunistas cretinos
Século da inteligência artificial
Produzida por um bando de burros.
Sou o poeta para ninguém ler.
Poeta de funk gospel
Poeta de meme
Poeta de nada.
Nem poeta
Só um saco de fezes
Esperando a compostagem do destino.
Sem coragem de estimular a próstata
Sem coragem de queimar um beque
A vida queima sua rosca na marra
Marque minhas palavras
Seu hipócrita de fala mansa.

Meus pulsos não pagam o serviço do corte
Meu pescoço não vale a forca
Meu velório ia tirar gente do serviço
Melhor ficar morto falando.

Claudinei Soares

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